Kriyá é um termo feminino que significa fazer, executar, ação, atividade, trabalho, ou exercícios feito em partes. Após os tratados de Hatha Yoga, este termo acabou ganhando uma autonomia e se transformou em sinônimo de “técnicas de purificação do corpo.”
O yoga visa trabalhar o ser humano de forma integral e para que isso aconteça devemos começar pelo alicerce, o próprio corpo físico, matéria densa. Se o corpo não é purificado, prána não fluirá pelas nádís e se prána não flui, a meditação não acontecerá. Se prána não flui de forma harmônica, a mente tende a se identificar com a instabilidade e o sádhaka se transforma na própria instabilidade. Mas se as bases do praticante forem firmes e equilibradas, a mente do sádhaka será estável e sáttwica, por conseqüência, o sádhaka se identifica com a estabilidade, transformando-se numa pessoa sáttwica.
Somente com o corpo purificado, com as energias fluindo harmoniosamente, emoções e pensamentos estáveis, é que a mente poderá fluir para um estado de meditação, livrando-se de pensamentos turbulentos e dispersivos, desejos exacerbados e de todas as formas de kleshas.
Esses “novos” grupos de técnicas (kriyás) são um grande legado deixado das escrituras de Hatha Yoga. A percepção que o corpo pode e deve ser explorado por esta nova ótica faz com que o praticante tenha uma nova ferramenta para evoluir. Essa percepção de trabalhar o corpo, de todas as maneira, foi uma revolução dentro do pensamento e da Historiografia do Yoga.
As kriyás, desde então, tornaram-se efetivamente em um patrimônio do Yoga. Isso não significa que os conceitos de purificação e limpeza não estivessem inseridos no contexto da filosofia. Pátañjali já tinha definido dentro dos preceitos éticos (yama / niyama) o conceito de shauchan, que significa purificação e limpeza. Shauchan não significa apenas manter limpas as coisas que estão ao seu redor, shaunchan se estende à pureza física, emocional e mental.
O ásana, a partir do advento do Hatha Yoga, também ganhou uma nova conotação que complementará o conceito de ásana definido por Pátañjali, que era uma posição sentada, firme e confortável para vivenciarmos o samyama, concentração, meditação e iluminação.
O legado das escrituras de Hatha Yoga nos fala que as mais diversas posições corporais, as técnicas de purificação (as kriyás), a descrição do sistema de chakras, nádís, despertamento da shaktí kundaliní e o corpo que assumirá posições específicas visando ativar chakras e despertar kundalini (mudrá, que a partir do Hatha Yoga também são sinônimos de algumas posições corporais) são novas ferramentas para prosseguirmos na senda.
Somente com o corpo estável é que o pránáyáma se tornará estável. Aquele que tiver sucesso no controle da respiração e no conhecimento da bioenergia cósmica (prána vidya) terá sucesso na auto-realização.
O Hatha Yoga, portanto, ampliou ainda mais a força do sistema de Pátañjali, o Rája Yoga. O praticante agora prepara o corpo para poder concentrar e meditar com mais facilidade, ou podemos expor estas mesmas frase com outras palavras: o sádhaka pratica Hatha Yoga para que a sua mente flua em Rája Yoga.
Não há dissociação entre ambos. A dissociação é uma tendência de ocidentais modernos que possuem pensamentos sectários e que acham que uma coisa é completamente oposto à outra, grave engano. É muito mais uma jogada de marketing uma afirmação deste nível do que realmente uma preocupação com a filosofia, infelizmente isso realmente acontece, e muito... Os shástras (escrituras) e principalmente os Mestres Indianos nunca dissociam o Hatha Yoga do Rája Yoga. Começando pela própria visão da Hatha Yoga Pradípiká:
As duas primeiras obras que aparecem detalhadamente esses grupos de exercícios de purificação do corpo são: Hatha Yoga Pradípiká, do Yogi Swátmárama e Gheranda Samhitá, atribuído a autoria ao sábio Gheranda. Aproximadamente nos séculos XIV e XV respectivamente.
As técnicas mais conhecidas de purificação corpórea recebem, no conjunto, o nome de “Shat Karma” e segundo a Hatha Yoga Pradípiká “as seis ações (shat karmas) são: dhauti, vasti, neti, trátaka, nauli e kapálabhati ”
DHAUTI significa lavar, limpar, mas neste caso é um grupo de técnicas de lavagem e limpeza do corpo.
Vastra Dhauti é o nome desta descrita na Hatha Yoga Pradípiká e visa a limpeza do trato digestivo. A tira de pano deve ser cuidadosamente limpa antes desta técnica. Observe bem a tira para que ela não solte nenhum fio ou pedaço de linha. A tira de pano deve estar umedecida para a execução do vastra dhauti. Durante o primeiro dia de execução engula somente poucos centímetros, retenha alguns segundos e retire muito vagarosamente para não irritar ou ferir a garganta. Dia após dia de execução da técnica vá ampliando os centímetros e o tempo de permanência e sempre retirando muito lentamente. Não é necessário executar todos os dias, podendo ser feito três em três dias ou de quinze em quinze dias, dependendo do caso. Sempre é sugerido a ingestão de leite após a execução deste dhauti. O leite atua como um lubrificante da garganta.
Existem ainda outras variações de dhauti:
Vaman ou Vamana Dhauti: beba quatro ou cinco copos de água levemente salgada. Realize alguns ciclos vigorosos de uddiyana bandha (compressão abdominal) e depois vomite a água ingerida. Caso não vomitar a água espontaneamente, coloque os dedos médio e indicador na base da língua para facilitar a expulsão da água pela boca. Ideal que seja feito pela manha e em jejum. A água pode estar em temperatura ambiente ou levemente norma.
Chakshu dhauti – limpeza dos olhos com ablução. Faça uma concha com uma mão e coloque água no espaço da palma da mão. Usa-se água mineral ou água fervida, em temperatura ambiente ou levemente morna com uma pitada de sal; chá de camomila ou soro fisiológico. Baixe a cabeça em direção a mão e coloque a cavidade ocular sobre a concha da mão. Depois eleve a cabeça buscando direcionar esta água para os olhos. Mantenha o olho bem aberto para que a água envolva bem o olho. Também é possível utilizar um copo de água ao invés da concha da mão. Lave muito bem as mãos para fazer o chakshu dhauti. Depois compense fazendo a ablução com o outro olho.
Danta dhauti – antigamente feito com pó de catechu (também conhecido como palmeira de betel), utilizando o dedo indicador ou médio da mão direita para esfregar bem os dentes com este pó. A versão moderna é a escova de dente.
Danta múla Dhauti – purificar e fortalecer as raízes dos dentes. Para fazer esta kriyá basta pressionar bem os maxilares por alguns segundos e depois descontraia completamente. Essa pressão aumenta o fluxo sangüíneo nas raízes dos dentes, fortalecendo os dentes. Uma alimentação com sementes duras, que exijam uma pressão dos dentes e dos maxilares, também atua como danta múla dhauti.
Vátasára dhauti: Purificação do estômago utilizando ar.
Pode-se utilizar uddiyana bandha ou nauli kriyá para auxiliar no direcionamento do ar e depois executar sarvangásana para expelir o ar. Matsyendrásana e mayurásana também auxiliam no processo de eliminação do ar.
Várisára Dhauti: Purificação do estômago utilizando água.
Pode-se utilizar vários ciclos de uddiyana bandha ou nauli kriyá para auxiliar no processo de direcionamento da água pelos intestinos e na evacuação da água.
Karna Dhauti – limpeza dos ouvidos. Utilizando o dedo limpo para a limpeza dos pavilhões auditivos. Nos dias de hoje utilize um cotonete para tal finalidade, sem enfiá-lo muito profundamente.
VASTI – lavagem dos intestinos
Vasti é uma técnica de lavagem e purificação dos intestinos utilizando água ou ar. Jala vasti é a lavagem dos intestinos utilizando água e Sthala Vasti é a purificação utilizando ar.
A variação de utkásana para o jala vasti consiste em sentar-se de cócoras, com os glúteos sobre os calcanhares e os pés separados na mesma linha dos quadris, os pés naturalmente se voltam para fora nesta variação de utkásana. Com o domínio total da musculatura abdominal, principalmente dominando a nauli kriyá, consegue-se puxar a água pelo ânus, fazer circular pelos intestinos e ventre e depois expelir a água com o auxílio do nauli kriyá.
Devemos consideram que essa técnica possui muitos séculos de existência e que era feita em margens de rios que não eram poluídos por produtos químicos, como são os rios e lagos dos dias de hoje. Nos dias de hoje, para a execução do jala vasti, pode-se utilizar um clister para fazer a lavagem intestinal. Existem algumas terapias alternativas que chamam esta técnica de Hidrocolonterapia, que é o tratamento de limpeza e desintoxicação através da introdução de água filtrada pelo reto, envolvendo com água todo o intestino grosso. Com esta limpeza do organismo, eliminam-se placas de resíduos que ficam aderidas nas paredes dos intestinos advindos de uma alimentação pobre em fibras, com excesso de carnes, excesso de alimentos refinados, excesso de glúten e de produtos lácteos.
Sthala Vasti: purificação dos intestinos utilizando ar.
Gheranda Samhitá 1:48-49 descreve o sthala vasti da seguinte maneira:
Ainda pode-se executar o sthaka vasti em viparita karaní mudrá, uma posição corporal que se assemelha muito com o sarvangásana. A diferença que no sarvángásana o tronco fica na verticalidade e na viparita karaní mudrá o tronco fica entre 45 e 60 graus, em relação ao solo.
Em viparita karaní mudrá traga os joelhos bem próximos ao peito. Execute uddiyana bandha ou nauli kriyá para criar um vácuo na região abdominal e direcionar ar através do reto para dentro dos intestinos. Para alguns ciclos para projetar o ar para dentro, permaneça alguns minutos e depois execute nauli kriyá ou uddiyana bandha para expulsar o ar.
NETI – técnica de limpeza dos seis faciais e fossas nasais.
Grupos de técnicas que fazem uma excelente limpeza das mucosas nasais. Estes grupos de exercícios se dividem em alguns grupos:
Com uma forte inspiração o cordão é projetado para o interior da narina até pode ser suavemente retirado pela boca. Com os dedos polegar e indicador retire o cordão. Faça o mesmo com a outra narina.
Jala Neti – purificação das narinas utilizando água. Utilize água morna e salgada. Existe um bule de cerâmica denominado “lota” que é especifico para esta finalidade.
Ferva água e espere até que ela fique levemente morna. Com meio litro de água fervida dá para fazer uma excelente limpeza das duas narinas. Acrescente uma boa pitada de sal na água, movimente a água salgada com uma colher até que o sal se dissolva por completo na água. Pode utilizar como medida uma colher rasa de chá de sal.
Coloca a água no lota. Incline a cabeça para frente e depois gire a cabeça para um dos lados. Introduza o bico do lota na narina que está acima e lentamente despeje a água no interior da narina. Mantenha a boca aberta para respirar durante toda a execução do jala neti. É natural que água demore um pouquinho para sair pela narina de baixo. Se for executar esta kriyá pela primeira vez fique tranqüilo que essa é uma técnica de fácil execução e que sempre dá certo. O importante é manter a calma e de preferência executar esta técnica sob a orientação de um professor de yoga qualificado e que saiba executar a técnica com perfeição. Após esvaziar o lota, execute na outra narina.
Ghrita neti: é feito da mesma maneira que o jala neti, porem utilizando leite morno. Porém requerem instrução de um professor.
Ghrita neti: “se faz passando ghee no interior das narinas com o dedo indicador. Isso é muito necessário na Índia, pois o ar é muito seco e é preciso lubrificar as narinas para facilitar a respiração.”
TRÁTAKA – exercícios oculares
Trátakas são técnicas de fixação ocular em algum objeto que têm por objetivo tonificar nervos e músculos ópticos, assim como ajuda a descansar as vistas. Ideal para quem passa muito tempo de frente de um monitor de computador.
Tradicionalmente é usada uma vela acesa elevada na altura dos olhos como suporte para a execução do trátaka. Assim os olhos ficam fixos na chama, permanecendo o máximo de tempo com os olhos abertos, buscando lacrimejar os olhos.
Além de executarmos desta maneira, podemos ainda executar kriyás com movimentos oculares.
Busque uma boa permanência e depois retorne os braços bem lentamente. Ao retornar pisque bem os olhos para lubrificar e eliminar o esforço muscular exercido nos músculos e nervos ópticos. Faça o mesmo para cima, direcionando os dedos e os olhos para a região do ájña chakra, ponto entre as sombrancelhas.
NAULI – massagem abdominal com movimento circulares da musculatura abdominal.
Nauli ou nauli kriyá é uma técnica de difícil execução que exigirá disciplina e paciência. Para executarmos a técnica com perfeição, o sádhaka deve possuir uma excelente consciência muscular da região abdominal, aprender a isolar os músculos retos abdominais e depois controlar a contração e descontração desses músculos. Com o controle total desta região, os músculos abdominais se movimentarão da esquerda para direita ou vice-versa, como se fosse “um redemoinho de um rio.”
Nauli kriyá segundo a Hatha Yoga Pradípiká:
Nauli kriyá no Gheranda Samhita aparece com o nome de Lauliki Yoga,
Solte todo o ar e inicie as movimentações circulares dos músculos abdominais. Descontraia ombros e pescoço durante a execução do nauli. A cabeça pode ficar naturalmente voltada para frente durante a execução do nauli. Faça sempre sem ar. Precisando inspirar, desfaça as contrações circulares e inspire, podendo elevar um pouco o tronco durante a inspiração. Para fazer uma nova execução, solte o ar novamente, coloque as mãos sobre as coxas e inicie uma nova série.
Por se tratar de uma técnica com um nível elevado de execução, ela não tem como realmente ser ensinada por livros, o ensinamento deve acontecer diretamente de um professor de yoga qualificado. O que foi descrito aqui foram os passos iniciais ou simplesmente uma apresentação da técnica para quem ainda não a conhece e para quem já a conhece não deixa de ser uma revisão dos seus fundamentos.
Execute este dhauti utilizando a mesma lógica respiratória do uddiyana bandha. Faça uma exalação completa e contraia e descontraia rapidamente a musculatura abdominal. Desfaça as movimentações quando precisar inspirar.
Madhyana nauli: a contração isolada da musculatura central da região abdominal.
Vamah nauli: a contração isolada da musculatura do lado esquerdo da região abdominal.
Dakshinah nauli: a contração isolada da musculatura do lado direito da região abdominal.
Com o domínio dessas cinco técnicas preparatórias, nauli kriyá é facilmente executado. As três últimas descritas, madhyana, vamah e dakshinah nauli, são as que mais exigirão disciplina e paciência.
KAPÁLABHÁTI – é uma técnica de limpeza das vias respiratórias e dos pulmões.
Kapála significa crânio e bháti brilhante. A tradução do nome corresponde à sensação adquirida durante e após a execução da técnica. Kapálabháti proporciona uma hiper-oxigenação em todo o organismo, por isso a sensação de “crânio brilhante”.
O kapálabháti consiste em inspirar lento e profundamente e exalar com forca e ruído. Contraia vigorosamente a região do diafragma para expulsar o ar, como se fosse a contração abdominal de uma tosse. Músculos da face e ombros não se contraem, somente a região do abdômen. É uma técnica respiratória com apenas duas fases, inspiração e exalação, sem retenção entre a inspiração e a exalação. Inspiração bem lenta e silenciosa e exalação rápida e ruidosa.
Em vários textos o kapálabháti aparece descrito como bhastriká pránáyáma ou vice–versa. Tradicionalmente o kapálabháti é executado como na descrição acima.
A Hatha Yoga Pradípiká é um dos casos que descreverá kapálabháti como se fosse o bhastriká pránáyáma:
A Gheranda Samhitá fornece outras variação sobre o kapálabháti.
Este vamah krama lembra o jala neti, a única diferença é que ele é feito com ar e não com água. Assim como também lembra o nádí shodhana pránáyáma, técnica respiratória de purificação das nádís. Na Gheranda Samhitá, o vamah krama não é visto como uma técnica de purificação de nádís pelo fato de estar exposta juntamente ao shat karmas, as seis ações purificatórias. Portando é uma técnica visa equilibrar a passagem do ar nas narinas e purificar as vias respiratórias utiliza-se somente o ar.
Essas seis ações de purificação (shat karmas) compõem as principais kriyás ou técnica de purificação do organismo do Yoga. Algumas delas são de fácil execução e podem ser facilmente descritas e compreendidas através de livros, mas mesmo assim sempre busque a orientação de um professor de Yoga que tenha domínio nessas ações purificatórias.
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