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quarta-feira, 29 de abril de 2009

Vivekananda - Raja Yoga

Raja Yoga



Swami Vivekananda

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PREFÁCIO


O Hinduísmo, que é a religião mais completa do mundo, pela universalidade de sua estrutura ético-filosófica e amplitude de seu estrito de união e tolerância, oferece a seus adeptos quatro caminhos (Margas) fundamentais de libertação individual, mais conhecida entre os cristãos como salvação. São denominados Karma-marga, a caminho da ação ou das obras; Jnana-marga, o caminho do conhecimento; Bhakfi-marga, o caminho da devoção ou amor a Deus, e Dhyana-marga, o caminho da meditação, Marga também se aplica como sinônimo de Yoga, termo mais em voga no Ocidente, e mais generalizado na Índia para designar uma de suas seis escolas filosófica(4) fundada pelo famoso Rishi Patanjali.

Uma das características notáveis do Hinduísmo, e que geralmente se considera uma das principais responsáveis pela longa sobrevivência dessa religião milenar, é a ampla liberdade intelectual que outorga a seus adeptos em matéria de crença ou mesmo descrença numa Divindade Suprema, que todavia ali se considera imanente em toda a natureza. Nessa conformidade, o hinduísta tem plena liberdade de pensar, contanto que sua conduta seja ortodoxamente hinduísta em seus princípios fundamentais. Daí suas seis escolas filosóficas, das quais três baseadas no Espírito e três na Matéria, porém todas visando o aperfeiçoamento individual através da auto-realização. Daí os seus quatro Margas ou métodos individuais de auto-aperfeiçoamento. Daí também o seu sistema de castas, hoje anacrônico e quase obsoleto ali, porém que em passado remoto teve sua motivação, para efeito de educação, preparação e integração social. São as castas dosBrâmanes, os sacerdotes e instrutores; dos Kshatriyas, os militares e estadistas; os Vaishyas, os comerciantes e agricultores; e os Rudras, os servidores ou artesãos. Essa divisão ainda hoje subsiste em todo o mundo e em toda a sociedade, porém sem a rigidez de outrora. Swami Vivekananda, brilhante expoente da escola filosófica Vedanta, uma das seis e a mais elevada do sistema hindu, é um magnífico expositor da cultura hinduísta. E sabe fazê-lo com extraordinária maestria de quem vive e domina perfeitamente o assunto, e num estilo elegante, claro e enriquecido de ilustrações com exemplos os mais oportunos e sugestivos. Nesta obra ele expõe sinteticamente esses famosos quatro caminhos ou métodos de auto-aperfeiçoamento, numa linguagem ao alcance de todos, de sorte que todos possam estudá-los, e uns poucos, os mais práticos ou decididos, possam experimentá-los e adotar aquele que melhor lhes convenha, consoante sua natureza e tempo disponível.

Por certo os métodos não são iguais entre si, pois visam sobretudo a natureza do indivíduo, e suas necessidades e possibilidades. Os métodos do conhecimento e domínio da mente exigem mais estudos e meditação, ao passo que os métodos do serviço altruísta e amor a Deus requerem mais prática do que teoria. Os exercícios específicos de cada um deles variam, porém é a mesma a finalidade de todos eles: levar o estudante e o praticante a um estado de libertação que se lhe traduz em paz e felicidade como também o preparam e fortalecem para enfrentar os momentos mais cruciais de sua vida. Um ponto, porém, o autor procura tornar bem claro: é que se os métodos diferem, não divergem entre si, mas, antes, completam-se e auxiliam-se em alguns pontos e circunstâncias da vida E isso é muito lógico, pois não pode haver teoria eficaz sem a colaboração e comprovação da prática, nem prática inteligente se divorciada de estudos o meditação. Há, portanto, uma mútua interdependência, e se houver uma conjugação da teoria com a prática, os meios se tornarão mais fáceis e os resultados mais rápidos e seguros.

Tal é o escopo desta síntese, que é um real compêndio de auto-realização místico-filosófica posto a serviço dos que aspiram aprofundar a solução de seus problemas internos, e assim experimentar e estabelecer em si aquela "paz que ultrapassa o entendimento"", de que tanto nos têm falado os místicos e yogues.


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Auto-Realização através do domínio da Mente - (Raja-Yoga)



Raja-Yoga é uma ciência como qualquer outra. É a análise da mente, um reunir de fatos do mundo supersensório, para assim se construir o mundo espiritual. Todos os grandes mestres espirituais que o mundo conheceu, disseram: "Vejo e sei". Jesus, Paulo, e Pedro, declararam todos sua percepção espiritual das verdades que ensinaram.

A percepção é obtida pela Yoga

Nem memória nem consciência podem ser a limitação da existência. Há um estado superconsciente. Tanto este como o estado inconsciente são privados de sensação, porém com uma enorme diferença entre si - a mesma diferença que existe entre o conhecimento e a ignorância. A concentração da mente é a fonte de todo o conhecimento.

A Yoga ensina-nos tornar a matéria nossa escrava, como o deveria ser. Yoga significa "jugo" - "jungir", isto é, juntar a alma do homem à Alma suprema ou Deus. Este nosso "eu" cobre apenas uma pequena consciência e uma vasta quantidade de inconsciência, enquanto sobre ele, e quase completamente desconhecida dele, está o plano superconsciente.

Através de prática fiel, camada após camada da mente se abre diante de nós, e cada ima dessas camadas nos revela um fato novo. Vemos como que mundos novos criados diante de nós, novos poderes são postos em nossas mãos, mas não devemos parar no caminho, nem permitir que fiquemos deslumbrados por essas contas de vidro, quando a mina de diamantes está à nossa frente. Só Deus é a meta.

Três coisas são necessárias ao estudante que deseja ter sucesso.

Primeira: abandonar toda a idéia de gozo neste mundo e no outro, mas preocupar-se apenas com Deus e a Verdade. Estamos aqui para conhecer a Verdade, não para ter prazeres. Deixemos isso para os brutos que gozam como jamais poderemos gozar. O homem é um ser pensante e deve lutar até dominar a morte até que veja a luz.

Segundo: desejo intenso de conhecer a Verdade e Deus. Sede ansiosos por eles, suspirai por eles, como um homem que se afoga anseia pelo ar.

Terceira: Refreai a mente para que não se externe, refreai os sentidos, voltai a mente para o interior, sofrei tudo sem murmurar, fixai a mente numa idéia, pensai constantemente em vossa natureza real. Libertai-vos da superstição. Não vos hipnotizeis para acreditar em vossa própria inferioridade. Dia e noite dizei a vós
mesmos o que realmente sois, até que compreendais, realmente compreendais, vossa unidade com Deus. Sem essas disciplinas, não há resultados.

Podemos ter consciência do absoluto, mas nunca poderemos expressá-lo. Temos que ir além dos limites dos sentidos e transcender mesmo a razão. E possuímos poder para fazer isso.


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Primeira Parte


Segundo o raja-yogue, o mundo externo não passa da forma grosseira do mundo interno, sutil. O mais fino é sempre a causa, o mais grosseiro o efeito. O homem que descobre e aprende como manipular as forças internas, terá toda a natureza sob seu controle. A tarefa que o yogue se propõe realizar, é, nada mais, nada menos, do que dominar todo o universo, dominar toda a natureza. Deseja chegar ao ponto em que aquilo que chamamos leis da natureza, não tenha influência sobre ele; em que ele possa passar para além de todas elas. Dominará toda a natureza, interna e externa.

Todo o nosso conhecimento é baseado na experiência. O que chamamos conhecimento por inferência, no qual vamos do menor para o geral ou do geral para o particular, tem como base a experiência. No que chamam ciências exatas as pessoas facilmente encontram a verdade, porque elas apelam para as experiências de cada ser humano. O cientista não vos diz que acrediteis em coisa alguma, mas tem certos resultados que vêm de suas próprias experiências, e, raciocinando sobre eles, apela para alguma experiência universal da humanidade, ao pedir-vos que acrediteis em suas conclusões. Em toda a ciência exata há uma base comum a toda a humanidade, de forma que podemos ver imediatamente a verdade ou a falsidade das conclusões dali tiradas. Bem, a pergunta é a seguinte: A religião tem ou não tem essa base? Terei de responder tanto pela negativa como pela afirmativa.

Religião, tal como é geralmente ensinada no mundo todo, dizem estar baseada na fé e na crença, e na maioria dos casos consiste apenas em diferentes séries de teorias. Essa é a razão pela qual encontramos as religiões discutindo umas com as outras. Essas teorias, além disso, são baseadas na crença. Um homem me diz que há um grande Ser sentado sobre as nuvens, governando todo o universo, e me pede que acredite apenas na autoridade de sua afirmativa. Da mesma maneira eu posso ter minhas próprias idéias, e pedir aos outros que acreditem nelas. Se me perguntarem a razão, eu não lhes poderei dar razão alguma. Por isso é que hoje em dia a religião e a filosofia metafísica têm mau nome. Todo o homem instruído parece dizer: "Oh! essas religiões não passam de um feixe de teorias sem qualquer padrão pelo qual possamos julgá-las, cada homem pregando suas próprias idéias de estimação". Contudo, há uma base de crença universal na religião, governando todas as diferentes teorias e todas as idéias variáveis das diferentes seitas em diferentes países. Indo até suas raízes, verificamos que também elas estão baseadas em experiências universais.

O cristão pede-vos que acrediteis em sua religião, que acrediteis em Cristo como encarnação de Deus, que acrediteis num Deus, numa alma, e num estado melhor da alma. Se eu lhe pedir que raciocine, ele me diz que acredita neles. Mas se fordes à nascente do Cristianismo, verificareis que ele é baseado na experiência. Cristo disse que viu Deus, os discípulos disseram ter sentido Deus, e assim por diante. Igualmente, no Budismo, trata-Se da experiência de Buda. Ele experimentou certas verdades, viu-as, teve contato com elas, e pregou-as ao mundo. Assim com os hindus. Em seus livros, os escritores, que são chamados rishis, ou sábios, declaram ter tido experiência em certas verdades, e essas verdades pregam. Assim, é claro que todas as religiões do mundo foram construídas sobre esse fundamento universal e adamantino de todo o nosso conhecimento - a experiência direta. Os Mestres todos viram Deus, todos eles viram suas próprias almas, viram seu futuro, viram sua eternidade, e pregaram o que viram. Contudo, há uma diferença: a maioria dessas religiões, especialmente nos tempos modernos, faz uma declaração peculiar, isto é, que tais experiências são, impossíveis nos dias presentes. Foram possíveis apenas para uns poucos homens, fundadores das religiões que, subseqüentemente, levaram seus nomes. No tempo presente tais experiências se tornaram obsoletas, e portanto, temos que tomar a religião como crença, agora.

Nego inteiramente semelhante idéia. Se houve uma experiência neste mundo, em qualquer ramo particular do conhecimento, segue-se, absolutamente, que tal experiência foi possível milhões de vezes antes e se repetirá eternamente. Uniformidade é lei rigorosa da *natureza: o que uma vez aconteceu, pode acontecer sempre.

Os mestres da ciência Raja-Yoga declaram que a religião não é apenas baseada na experiência dos velhos tempos, mas que homem algum pode ser religioso enquanto não tiver por si mesmo as mesmas percepções. Raja-Yoga é a ciência que nos ensina a obter essas percepções. Não adianta muito falar sobre religião enquanto a pessoa não a sentiu. Por que há tanta perturbação, tanta luta e discussão em nome de Deus? Tem havido mais derramamento de sangue em nome de Deus do que por outra causa qualquer, porque as pessoas nunca vão às fontes de origem. Contentam-se com o dar assentimento mental aos costumes de seus antepassados, e desejam que os outros façam o mesmo. Que direito tem um homem de dizer que possui uma alma se não a sente, ou que há um Deus, se não o vê? Se há um Deus, ele deve vê-lo e se há uma alma, deve percebê-la, de outra forma é melhor não acreditar. É melhor ser um ateu declarado do que um hipócrita.

A idéia moderna, por outro lado, exposta pelos "eruditos", diz que a religião, a metafísica, e toda a busca de um Ser Supremo, são fúteis. Por outro lado, os semi-instruidos parecem considerar que essas coisas realmente não têm base, e seu único valor consiste no fato de fornecerem fortes poderes de motivação para fazer bem ao mundo. Se os homens acreditam num Deus, podem tornar-se bons e morais, e assim se fazem bons cidadãos. Não podemos censurá-los por manterem tais idéias, vendo que todo o ensinamento que tais homens obtêm resume-se, simplesmente, em acreditarem numa mixórdia de palavras, sem qualquer substância a ampará-las. Pedem-lhes que vivam sobre tais palavras. Podem fazer isso? Se o pudessem, eu não teria qualquer consideração pela natureza humana. O homem deseja a verdade, deseja experimentar a verdade por si mesmo. Quando a tiver obtido, compreendido, sentido dentro do âmago de seu coração, então, e só então - declaram os Vedas - todas as dúvidas se desvanecerão, todas as trevas serão afastadas, e tudo quanto é torto se endireitará. "Vós, filhos da imortalidade, mesmo os que vivem nas mais altas esferas, o caminho foi achado. Há um caminho para fora de toda essa treva, e é o caminho da percepção d'Ele, que está acolá de todas as trevas. Não há outro caminho."

A ciência Raja-Yoga propõe-se a colocar diante da humanidade um método organizado prática e cientificamente, para alcançar essa verdade. Em primeiro lugar, toda a ciência tem seu método próprio de investigação. Se desejais tornar-vos astrônomo, e vos sentardes, gritando: "Astronomia! Astronomia!", jamais o sereis. Se desejardes ser um astrônomo, tereis de ir para um observatório, apanhar um telescópio, estudar estrelas e planetas, e então podereis vir a ser um astrônomo. Cada ciência deve ter seu método próprio. Eu poderia pregar milhares de sermões, mas eles não vos fariam religiosos, enquanto não praticásseis o método. Essas são as verdades dos sábios de todos os países, de todas as épocas, de homens puros e destituídos de egoísmo, que não têm outro motivo senão fazer bem ao mundo. Todos eles declaram que encontraram alguma verdade mais alta do que a que os sentidos nos podem trazer, e convidam-nos à verificação. Pedem-nos que aceitemos o método e o pratiquemos honestamente. Então, se não encontrarmos aquela verdade mais alta, teremos o direito de dizer que não há verdade na declaração. Mas, antes de termos feito isso, não será racional que neguemos a verdade de suas afirmativas. Portanto, devemos trabalhar fielmente, usando os métodos prescritos, e a luz virá adquirindo conhecimento, fazemos uso da generalização, e a generalização está baseada na observação.

Primeiro observamos os fatos, depois generalizamos, para depois retirarmos daí conclusões e princípios. O conhecimento da mente, da natureza interna do homem, do pensamento, jamais pode ser obtido enquanto não tivermos o poder de observar os fatos que se passam internamente. É relativamente fácil observar os fatos que se passam pois muitos instrumentos foram inventados para esse “mundo”, mas para o mundo interior não temos instrumento que nos valha. Ainda assim , sabemos que devemos observar, a fim de adquirir verdadeira ciência. Sem análise própria, qualquer ciência seria inútil, mera teoria. Por isso é que todos os psicólogos vêm discutindo entre si desde os começos dos tempos, a não ser os poucos que encontraram os meios de observação.

A ciência Raja-Yoga, em primeiro lugar, propõe-se a nos dar esses meios de observação dos estados internos. O instrumento é a própria mente. O poder de atenção, quando adequadamente orientado e dirigido para o mundo interior, analisará a mente e iluminará os fatos para nós. Os poderes da mente são como raios de luz dissipados. Quando se concentram, iluminam. Esse é o nosso único meio de conhecimento. Todos o estão usando, tanto no mundo interno como no externo, mas, para o psicólogo, a mesma minuciosa observação que o homem de ciência dirige ao mundo exterior deve ser usada para o mundo interior. E isso requer muitíssima prática. Da nossa infância para diante nos ensinaram a dar atenção apenas ao que é exterior, e nunca ao que é interior. Daí a maioria dentre nós ter quase perdido a faculdade de observar o mecanismo interior. Virar a mente ao avesso, por assim dizer, impedi-la de ir para fora, e então concentrar todos os seus poderes e atirá los sobre a própria mente de forma que ela possa conhecer sua própria natureza, analisar-se, é trabalho duro. Ainda assim, é a única forma para chegar ao que quer que represente aproximação científica do assunto.

Qual é a utilidade de semelhante conhecimento? Em primeiro lugar, o conhecimento em si mesmo é a mais alta recompensa do conhecimento e, em segundo lugar, há ainda utilidade nele. Varrerá de nós toda a angústia. Quando, através da análise de sua própria mente, o homem se vê face a face, por assim dizer, com algo que jamais é destruído, com algo que é, pela sua própria natureza, eternamente puro e perfeito, já não se sentirá angustiado, já não se sentirá infeliz. Toda a angústia vem do medo, do desejo insatisfeito. O homem descobrirá que não morre nunca, e então já não temerá a morte. Quando ele souber que é perfeito, não mais terá desejos vãos. E ambas as causas se ausentando, não mais haverá angústia, e sim bemaventurança perfeita, mesmo enquanto estiver neste corpo.

Há um único método pelo qual se pode obter esse conhecimento: é a chamada Concentração. O químico, em seu laboratório, concentra todas as energias de sua mente num foco e projeta-a sobre os materiais que está analisando, a fim de descobrir os seus segredos. O astrônomo concentra todas as energias de sua mente e projeta-as através do seu telescópio para os céus. E as estrelas, o Sol, e a Lua, entregam-lhe os seus segredos.

Como foi obtido todo o conhecimento do mundo senão pela concentração dos poderes da mente? O mundo está pronto a entregar seus segredos, se soubéssemos ao menos como bater-lhe à porta, como dar o golpe necessário. O vigor e a força do golpe vêm através da concentração. Não há limites para o poder da mente humana. Quanto mais concentrada é, mais poder atrai para reforçar determinado ponto: esse é o segredo. É fácil concentrar a mente em coisas exteriores, pois ela se dirige naturalmente para fora. Mas não acontece isso no caso da religião, da psicologia, da metafísica, quando a substância e o objeto são um. O objeto é interno - a própria mente é o objeto - e é necessário estudar a própria mente, a mente estudando a mente. Sabemos que existe um poder mental chamado reflexão. Eu vos estou falando. Ao mesmo tempo estou de lado, uma segunda pessoa, por assim dizer, sabendo e ouvindo o que estou dizendo. Vós trabalhais e pensais ao mesmo tempo, enquanto uma porção de vossa mente fica de lado e vê o que estais pensando. Os poderes da mente devem ser concentrados e retornados para ela própria, e, assim como os lugares mais trevosos revelam seus segredos diante dos raios de Sol que neles se introduzem, a mente concentrada será penetrada pelos mais recônditos segredos. Assim, chegaremos à base da crença, à real, genuína religião. Perceberemos, por nós mesmos, se temos almas, se a vida conta com cinco minutos ou com a eternidade, se há um Deus ou não no universo. Tudo isso nos será revelado.

É isso que o Raja-Yoga se propõe a ensinar. A meta de todo o seu ensinamento está em como concentrar a mente, depois em como descobrir os recessos mais recônditos de nossas próprias mentes, e a seguir, como generalizar seu conteúdo, e formar, através dele, nossas próprias conclusões. Portanto, ela jamais pergunta qual é a nossa religião - se somos deístas, ou ateus; se somos cristãos, judeus ou budistas. Somos seres humanos, e isso é o suficiente. Cada ser humano tem o direito e o poder de procurar a religião, cada ser humano tem o direito de perguntar os por quês à razão e ter a resposta a essas perguntas, respostas dadas por ele mesmo, se quiser votar a esse trabalho.

Até aqui, portanto, vemos que no estudo de Raja-Yoga não é necessário fé ou crença. Não creiais em nada enquanto não o descobrirás por vós mesmos, isso é o que ela nos ensina. A verdade não precisa de escora que a sustente. Quereis dizer que os fatos de nosso estado vigilante requerem alguns sonhos ou quimeras que os provem? Certamente que não, O estudo da Raja-Yoga requer bastante tempo e prática constante.

Uma parte dessa prática é física, mas na maioria é mental. Com a continuação, descobriremos quanto a mente está intimamente ligada ao corpo. Se acreditarmos que a mente é, simplesmente, uma parte mais sutil do corpo, e que a mente age sobre o corpo, então a mão nos dirá que o corpo deve reagir sobre a mente. Se o corpo está doente, a mente também se torna doente. Se o corpo está sadio, a mente permanece sadia e forte. Quando estamos zangados a mente se perturba. A maioria da humanidade traz a mente sob grande controle do corpo, pois sua mente é pouco desenvolvida. A vasta massa da humanidade está bem pouco distante dos animais. Não só isso, mas em muitos casos o poder de controle, nessa maioria, é pouco mais alto do que o dos animais considerados como os inferiores de sua espécie. Temos bem pouca ascendência sobre nossas mentes.

Portanto, para obter essa ascendência, para conseguir controle sobre o corpo e a mente, precisaremos de alguns auxílios físicos. Quando o corpo estiver suficientemente controlado, podemos tentar a manipulação da mente. Manipulando a mente, poderemos trazê-la sob nosso controle, e compeli-Ia a concentrar-se nos poderes que desejamos.

De acordo com a Raja-Yoga, o mundo exterior não passa da forma grosseira do mundo interior, ou sutil. O mais fino é sempre a causa, o mais grosseiro o efeito. Assim, o mundo exterior é o efeito, o interior é a causa. Da mesma maneira, as forças interiores são mais finas. O homem que descobriu e aprendeu como manipular as forças interiores, obterá o controle de toda a natureza. O yogue propõe-se nada menos do que dominar todo o universo, controlar toda a natureza. Deseja chegar ao ponto em que podemos dizer que aquilo que chamamos leis da natureza não terão influência sobre ele, em que estará em condições de passar para além de todas elas. Dominará tôda a natureza, interior e exterior. O progresso e a civilização desta raça humana simplesmente significa o controle dessa natureza.

Raças diferentes podem usar processos diferentes para controlar a natureza. Tal como na mesma sociedade alguns indivíduos desejam controlar a natureza exterior e outros a interior, assim entre as raças algumas desejam controlar a natureza exterior, e outras a interior. Algumas dizem que controlando a natureza interior controlamos tudo. Levadas ao extremo, ambas têm razão, porque na natureza não há tal divisão em exterior e interior. São, essas, limitações fictícias, que jamais existiram. Os exterioristas e os interioristas estão destinados a encontrarem-se no mesmo lugar, quando ambos alcançarem o ponto extremo de seu conhecimento. Tal como o físico, quando leva seu conhecimento aos seus limites e os encontra fundindo-se com a metafísica, os metafísicos descobrirão que o que chamam mente e matéria são apenas distinções aparentes; a realidade é Uma.

O fim e objetivo de toda a ciência é encontrar a unidade, o Um, do qual as cópias estão sendo manufaturadas, o Um existindo como todas elas.Raja-Yoga propõe começar do mundo interior, estudar a natureza interior, e, através dela, controlar o Todo - tanto interior como exterior.



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Segunda parte



A prática é absolutamente necessária. Podeis sentar-vos e ouvir-me uma hora por dia, mas se não praticardes, não adiantareis um só passo para a frente. Tudo depende da prática. jamais compreenderemos essas coisas se não as experimentar-mos. Temos que vê-Ias e senti-las por nós mesmos. Simplesmente ouvir explicações o teorias nada adiantará.

A Raja-Yoga está dividida em oito passos.

O primeiro é yama - não matar, não mentir, não roubar, não ser incontinente, e não cobiçar. Depois vem niyama - pureza, contentamento, austeridade, estudo e entrega de si próprio a Deus. A seguir vêm âsana, ou postura; pranayama, ou controle do prana; pratyahara, ou retração dos sentidos; dhârana, ou concentração da mente num ponto; dhyana, ou meditação; e samadhi, ou contemplação.

Yama e niyama são treinamentos morais. Sem eles como base, não há prática de Yoga bem sucedida, e uma vez estabelecidos, o yogue começa a compreender os frutos de sua prática. Um yogue não deve pensar em magoar seja quem for, por pensamentos, palavras ou atos. A misericórdia não deve limitar-se apenas ao homem, mas ir além e abarcar todo o mundo.

O passo seguinte é ásana, postura. Uma série de exercícios, físicos e mentais devem ser feitos todos os dias, até que certos estados superiores sejam alcançados. Portanto, é muito necessário que encontremos a postura na qual possamos permanecer por mais tempo. A postura mais fácil para cada um deve ser a escolhida. Para pensar, uma determinada postura pode ser muito fácil para um homem, mas muito difícil para outro. As correntes dos nervos têm de ser deslocadas e conduzidas a um novo canal. Novas espécies de vibrações começarão, e toda a constituição será remodelada, por assim dizer. Mas a maior parte da atividade residirá ao longo da coluna vertebral, de forma que o necessário para a postura é manter a coluna vertebral livre, sentando-se ereto, mantendo as três partes - peito, pescoço e cabeça - em linha reta. Deixai que todo o pêso do corpo seja suportado pelas costelas, e então tereis uma postura fácil, natural, com a espinha ereta. Podereis ver, muito facilmente, que não tereis pensamentos muito altos, se encolherdes o peito.

Essa parte da Raja-Yoga é algo idêntica à Hatha-Yoga, que trata precisamente do corpo físico, e visa tornar o corpo físico bastante forte. Nada temos a ver com isso aqui, porque suas práticas são muito difíceis e não podem ser aprendidas num dia. Afinal, nem conduzem a um crescimento espiritual muito grande. Seu objetivo é físico, não psicológico. Não há músculo do corpo sobre o qual o homem não possa exercer perfeito controle. O coração pode ser detido ou novamente posto em movimento, à vontade, e cada órgão físico pode ser controlado da mesma maneira. O resultado dessa parte da Yoga é fazer que os homens vivam muito: a saúde é a idéia principal, o único objetivo do hatha-yogue. Ele está disposto a não adoecer, e nunca adoece. Vive muito. Cem anos nada é para ele. Quando chega ao cento e cinqüenta anos, está viçoso e jovem, sem um fio de cabelo branco. Mas isso é tudo. Uma árvore banyan (9) - a figueira da Índia - vive, às vezes, cinco mil anos, mas não passa de uma banyan. Assim, se um homem vive muito, não passa de um animal sadio.

A prática é absolutamente necessária. Podeis sentar-vos e ouvir-me uma hora por dia, mas se não praticardes, não dareis um só passo para a frente. Tudo depende da prática. Jamais entendemos as coisas enquanto não as experimentamos. Temos de ver e sentir por nós mesmos. Ouvir, simplesmente, explicações e teorias, de nada adiantará.

Há vários obstáculos à prática: o primeiro é um corpo sem saúde. Se o corpo não está em condições apropriadas, a prática será obstruída. Portanto, temos de manter o corpo em boa saúde. Temos de cuidar do que comemos e bebemos, e do que fazemos. Sempre faremos um esforço mental para manter o corpo forte. Isso é tudo - nada mais além do que se refere ao corpo. Não devemos esquecer de que a saúde não
passa de um meio para atingir um fim. Se a saúde fosse o fim, seríamos como os animais. Os animais raramente adoecem.

O segundo obstáculo é a dúvida. Sempre nos sentimos tomados de dúvidas sobre as coisas que não vemos. Os homens não podem viver de palavras, por mais que o tentem. Assim, assalta-nos a dúvida sobre se haverá ou não alguma verdade nessas coisas, e mesmo o melhor de nós às vezes duvida. Com a prática, dentro de poucos dias, um pequeno vislumbre virá, o bastante para nos dar encorajamento e esperança. Certo comentarista da filosofia Yoga diz: "Quando uma prova é obtida, por pequena que seja, traz-nos fé no ensinamento integral da yoga". Esses vislumbres virão, aos poucos, de início, mas o bastante para vos dar fé, força e esperança. Por exemplo, se concentrardes vosso pensamento na ponta de vosso nariz, dentro de alguns dias começareis a sentir uma deliciosa fragrância, que será bastante para mostrarvos que há certas percepções mentais que se podem tornar evidentes sem o contato dos objetos físicos.

Mas devemo-nos lembrar, sempre, de que esses são apenas os meios. A meta, o fim, o objetivo de todo esse treinamento, é a libertação da alma, Controle absoluto da natureza, e nada menos do que isso, deve ser o objetivo. Podemos ser os senhores, e não os escravos da natureza. Nem o corpo nem a mente devem ser nossos senhores, nem devemos nos esquecer de que o corpo é nosso e não somos do corpo.

Um deus e um demônio foram aprender a respeito do Eu com um grande sábio: Estudaram com ele durante muito tempo. Por fim, o sábio lhes disse: "Vós mesmos sois o Ser que estais procurando".Ambos pensaram que seus corpos eram o Eu. Voltaram ao seu povo, muito satisfeitos, e disseram: "Aprendemos tudo quanto há para aprender: comei, bebei, e alegrai-vos. Somos o Eu. Nada há além de nós".

A natureza do demônio era ignorante, enevoada, por isso jamais indagou para além daquilo, mas ficou perfeitamente satisfeito com a idéia de que era Deus, de que "Eu" queria dizer corpo". O deus tinha natureza mais pura. De início, cometeu o erro de pensar: "Eu, este corpo, sou Brama. Por isso, mantenho-o forte e saudável, bem vestido, e ofereço-lhe toda a sorte de prazeres". Dentro de poucos dias, porém, descobriu que não fora aquilo que o sábio, seu mestre, quisera dizer. Deveria haver algo mais alto. Assim, voltou, e disse:"Senhor, ensinaste-me que este corpo era o Eu? Se é assim, vejo todos os corpos morrerem, e o Eu não pode morrer".

O sábio falou: "Descobre: tu és Aquele!" Então, o deus pensou que o sábio se referisse às forças vitais que fazem o corpo trabalhar. Mas, depois de algum tempo, viu que se comesse, as forças vitais permaneceriam fortes, porém, se passasse fome, elas se tornariam fracas. Voltou ao sábio e disse: "Senhor, quereis dizer que as forças vitais são o Eu?" O sábio falou: "Descobre por ti mesmo: tu és Isto!"

(9) Banyan: Arvore da India, o Ficus indica, notável pela copa imensa, sob a qual os banianos, seita hindu de comerciantes, costumam instalar seu mercado. Daí o nome da árvore, que, quando alcança os cem anos, pode abrigar sob sua sombra alguns milhares de homens.

O deus mais uma vez voltou para a sua casa, pensando que talvez a mente fosse o Eu. Logo depois, entretanto, viu que os pensamentos eram tão vários, ora bons, ora maus. A mente era mutável. demais para ser o Eu. Voltou ao sábio, e disse: "Senhor, acho que a mente não é o Eu. Foi isso que quisestes dizer?" E o sábio replicou: "Não. Tu és Aquele! Descobre por ti mesmo".

O deus voltou ao lar e finalmente descobriu que ele era o Eu, para além de qualquer pensamento, um, sem nascimento e sem morte, que o ar não podia secar ou a água dissolver; o sem começo e sem fim, o inabalável, o intangível, o onisciente, o Ser onipotente, que não era o corpo ou a mente, mas estava além de ambos. Assim, ficou satisfeito, mas o pobre demônio não obteve a verdade, porque amava demais seu próprio corpo.

O mundo tem grande número dessas criaturas demoníacas, mas tem alguns deuses, também. Se alguém se propõe ensinar qualquer ciência para aumentar a capacidade de sentir prazer, esse alguém encontra multidões prontas para receber seus ensinamentos. Se alguém pretende mostrar a meta suprema, bem poucos o querem ouvir. Se muito poucos têm o poder de alcançar o mais alto, ainda menor é o número dos que têm paciência para obter o mais alto. Mas também há outros, certos de que, embora o corpo pudesse ser feito para durar milhares de anos, o resultado, no fim, seria o mesmo. Quando as forças que o mantêm intacto desaparecem, o corpo tem de cair. jamais nasceu um homem que pudesse evitar, por um momento que fosse, as modificações de seu corpo. Corpo é o nome dado a uma série de modificações. "Assim como num rio as massas de água estão-se modificando diante de vós a cada momento, e novas massas vão
chegando, embora tomem forma similar, o mesmo acontece com o corpo." Apesar disso o corpo precisa ser mantido sadio e forte. É o melhor instrumento de que dispomos.

Voltando ao nosso assunto, chegamos a seguir ao pranayama, controle da respiração. Que tem isso a ver com os poderes de concentração da mente? A respiração é como o volante desta máquina, o corpo. Numa grande máquina encontrais o volante se movimento, e aquele movimento é comunicado à maquinaria cada vez mais fina, até que o mais delicado, o mais fino maquinismo da máquina é posto em movimento. A respiração é o volante, suprindo e regulando a força motriz de tudo neste corpo.

Houve, certa vez, um ministro de um grande rei, que veio a cair em desgraça. O rei, como castigo, ordenou que o encerrassem numa torre muito alta. Isso foi feito, e ali o ministro foi deixado, para morrer. Tinha ele, entretanto, uma esposa fiel, que veio ter à torre, pela noite, e chamou o marido lá no alto para saber o que poderia fazer por ele. Disse-lhe o homem que voltasse na noite seguinte e trouxesse uma corda comprida, um pouco de cordão bem forte, barbante, fio de seda, um besouro, e um pouco de mel. Embora muito espantada, a boa esposa obedeceu e levou-lhe os artigos pedidos. O marido disse-lhe que amarrasse bem o fio de seda no besouro, depois untasse as antenas dele com uma gota de mel e o libertasse na parede da
torre, com a cabeça voltada para cima. A mulher cumpriu aquelas instruções e o besouro iniciou sua longa jornada. Sentindo diante de si o cheiro do mel, foi-se arrastando para a frente, subindo, na esperança de
alcançá-lo, até que chegou ao alto da torre, onde o ministro o agarrou e se apoderou do fio de seda. Disse, então, à esposa, que amarrasse na outra ponta o barbante, e depois de o ter içado, repetiu o processo com o cordão forte, e, finalmente, com a corda. O resto foi fácil. O ministro desceu da torre por meio da corda, e fugiu.

Neste nosso corpo o movimento respiratório é o fio de seda. Mantendo-o e aprendendo a controlá-lo, apanhamos o barbante das correntes nervosas. Delas virá o cordão forte de nossos pensamentos, e, finalmente, a corda do prana (10). Ao controlarmos o Prana, alcançaremos a liberdade.

Nada sabemos sobre nossos próprios corpos. Não podemos sabê-lo. Podemos, no máximo, cortar em pedaços um corpo morto, a fim de ver o que há dentro dele. Ainda assim, tal coisa nada tem a ver com os nossos próprios corpos. Sabemos bem pouco sobre eles. Por que acontece isso? Porque nossa atenção não é bastante discriminatória para perceber os movimentos muito finos que se dão lá dentro. Só podemos ter conhecimento deles quando a mente se torna mais sutil e, por assim dizer, entra mais profundamente no corpo. Para obter a percepção sutil, temos de começar pelas percepções mais grosseiras. Temos que nos apossar daquilo que põe toda a máquina em movimento. Isso é o prana, cuja mais evidente manifestação é a respiração. Então, com a respiração, entraremos lentamente no corpo, o que nos possibilitará a descoberta das forças sutis, das correntes nervosas que se estão movendo através dele. Assim que as percebermos e aprendermos a senti-las, começaremos a controlá-las, e a controlar o corpo. A mente também é posta em movimento por essas diferentes correntes nervosas. Assim, finalmente alcançaremos o estado de controle perfeito do corpo e da mente, fazendo de ambos os nossos servos. Conhecimento é poder. Temos de conseguir esse poder.

(10) Prana: Energia primordial, donde derivam todas as demais energias.


Assim que começardes a sentir essas correntes em movimento dentro de vós mesmos, todas as dúvidas se desvanecerão, mas isso exige rigorosa prática diária. Deveis praticá-lo pelo menos duas vezes por dia, e as melhores horas são ao amanhecer e ao anoitecer. Quando a noite se transforma em dia, e o dia em noite, surge um estado de relativa calma. A madrugada e o entardecer são dois períodos de tranqüilidade. Vosso corpo mostrará uma tendência para fazer-se calmo, nessas horas. Devemos aproveitar essa condição natural e começar a praticar, então. Tomai como regra não comer enquanto não tiverdes praticado. Se fizerdes isso, a pura força da fome romperá vossa preguiça. No mais alto, ainda menor é o número dos que têm paciência para obter o mais alto. Mas também há outros, certos de que, embora o corpo pudesse ser feito para durar milhares de anos, o resultado, no fim, seria o mesmo. Quando as forças que o mantêm intacto desaparecem, o corpo tem de cair. jamais nasceu um homem que pudesse evitar, por um momento que fosse, as modificações de seu corpo. Corpo é o nome dado a uma série de modificações. "Assim como num rio as massas de água estão-se modificando diante de vós a cada momento, e novas massas vão chegando, embora tomem forma similar, o mesmo acontece com o corpo." Apesar disso o corpo precisa ser mantido sadio e forte. É o melhor instrumento de que dispomos.

Na Índia ensinam as crianças a jamais comer enquanto não tiverem praticado, ou feito seu culto, e isso, depois de algum tempo, se torna natural para elas. Um rapaz não sente fome enquanto não se banhou e não praticou. Aqueles dentre vós que o puderem conseguir, devem ter um aposento exclusivo para essa prática. Não durmais nesse aposento, que deve permanecer sagrado. Não deveis entrar nele enquanto não vos tiverdes banhado e não estiverdes perfeitamente limpo de corpo e mente. Colocai sempre flores nesse quarto - são a melhor vizinhança para um yogue - e quadros agradáveis. Queimai incenso, pela manhã e à noite. Não deveis manter pensamentos profanos, coléricos, ou polêmicos naquele aposento. Nele só devereis permitir a entrada de pessoas que pensam como vós. Então, paulatinamente, uma atmosfera de santidade se estabelecerá no aposento, de forma que quando vos sentirdes angustiado, desgostoso, hesitante, ou quando vossa mente estiver perturbada, o simples fato de entrardes ali vos trará calma. Essa foi a idéia do templo e da igreja, e em alguns deles ainda hoje encontrais isso, embora na maioria a idéia se tenha perdido. O fato é que, criando vibrações sagradas num lugar, ele se tornará sagrado, e assim permanecerá.

Os que não puderem ter um aposento separado, praticarão onde lhes pareça melhor.

Sentai-vos em postura direita. A primeira coisa a fazer é enviar uma corrente de pensamentos puros a toda criação. Repeti, mentalmente: "Que todas as - criaturas sejam felizes, que todas estejam em paz, que todas estejam na bem-aventurança." Fazei isso, para leste, para o sul, para o norte, e para o oeste. Quanto mais fizerdes isso, melhor vos sentireis. Descobrireis, finalmente, que a forma mais fácil de nos fazermos sadios é ver que os outros sejam sadios, e a maneira mais fácil de nos fazermos felizes é ver que os outros são felizes. Isso feito, os que acreditam em Deus devem rezar - não pedindo dinheiro, nem saúde, nem o céu. Rezai pedindo conhecimento e luz. Toda a prece que não seja essa, é egoísta. A seguir, pensai em vosso próprio corpo, e vede-o forte e saudável: é o melhor instrumento que tendes. Pensai nele como sendo forte como o diamante, e que com o auxílio desse corpo atravessareis o oceano da vida. A liberdade jamais é conseguida pelos fracos. Expulsai toda a fraqueza. Dizei ao vosso corpo que ele é forte, dizei à vossa mente que ela é forte, e mantende ilimitada fé e esperança em vós mesmos.

Teremos agora que enfrentar os exercícios de pranayama. O primeiro passo, de acordo com os yogues, é controlar os movimentos dos pulmões O que desejamos fazer é sentir os movimentos mais tênues que se dão em nosso corpo. Nossas mentes tornaram-se exteriorizadas e perderam de vista os movimentos interiores. Se pudermos começar a senti-los, poderemos começar a controlá-los. Essas correntes nervosas passam pelo corpo todo, levando vida e vitalidade a cada músculo, mas nós não as sentimos. O yogue diz que podemos aprender a senti-Ias. Como? Percebendo e controlando os movimentos dos pulmões. Quando tivermos feito isso pelo espaço de tempo suficiente, estaremos em condições de controlar movimentos mais tênues.

Sentai-vos direito: o corpo deve ser mantido direito. A medula espinhal, embora não ligada à coluna vertebral, ainda assim está dentro dela. Se vos sentais curvado, perturbais essa medula espinhal. Portanto, deixai-a livre. De todas as vezes que vos sentais curvado e tentais meditar, estais-vos prejudicando. As três partes do corpo - peito, pescoço e cabeça - devem ser mantidas sempre direitas, numa só linha. Vereis que com um pouco de prática isso vos virá tão facilmente quanto a respiração. A segunda coisa é o controle dos nervos. O centro nervoso que controla os órgãos respiratórios tem uma espécie de efeito controlador sobre os demais nervos, e a respiração rítmica é, portanto, necessária. A respiração que geralmente usamos não deveria ser chamada absolutamente respiração, pois é muito irregular.

A primeira lição é apenas respirar, em medida, para dentro e para fora. Isso harmonizará o sistema. Quando tiverdes praticado isso por algum tempo, fareis bem em juntar a repetição de alguma palavra, como Om, ou qualquer outra palavra sagrada. Na Índia usamos certas palavras simbólicas, em lugar de contar um dois, três, quatro. Por isso é que vos aconselho a juntar a repetição mental de Om ou de qualquer outra palavra sagrada ao pranayama. Que a palavra vá e venha com a respiração, ritmada, harmoniosamente, e vereis que todo o corpo se vai tornando rítmico. Depois aprendereis o que é o repouso. Comparado com ele, o sono não é repouso. Desde que tal repouso venha, acalmam-se os nervos mais cansados e verificareis que jamais tínheis repousado antes.

O primeiro efeito dessa prática é percebido pela mudança de expressão da face do praticante. Linhas duras desaparecem e com o pensamento calmo, a tranqüilidade se espalha pelo tosto. Depois, vem uma bela voz. jamais vi um yogue que tivesse voz crocitante. Esses sinais aparecem depois de alguns meses de prática.

O yogue afirma que de todas as energias existentes no corpo humano, a mais alta é a que chamam ojas. Ojas está armazenada no cérebro,e quanto mais ojas houver na cabeça de um homem, mais poderoso ele será, mais intelectual e espiritualmente mais forte. Um homem pode falar uma bela linguagem e expor belos pensamentos, mas não impressiona o povo. Outro homem não fala bonita linguagem nem expõe bonitos pensamentos, e ainda assim suas palavras encantam. Cada momento seu é poderoso. Esse é o poder de
ojas.

Em cada homem há maior ou menor quantidade dessa vias armazenada. Todas as forças que trabalham no corpo com a maior energia tornam-se ojas. Deveis recordar que se trata apenas de uma questão de transformação. A mesma força que está agindo fora, como eletricidade ou magnetismo, será transformada em força interior, e a mesma força que está agindo como energia muscular, será transformada em ojas. Os yogues dizem que parte da energia humana que se expressa através da ação e do pensamento sexual, quando refreada e controlada, facilmente se transforma em ojas. Somente o homem ou a mulher castos podem fazer as ojas subirem e se armazenarem no cérebro, e por isso a castidade foi sempre considerada a mais alta virtude. O homem sente que se não guardar castidade, a espiritualidade se vai, e ele perde vigor mental e resistência moral. Por isso é que em todas as ordens religiosas do mundo, que produziram gigantes espirituais, encontrareis sempre a castidade absoluta tratada com insistência. Por isso é que existem monges desistindo do casamento. Sem ela, a prática da Raja-Yoga é perigosa e pode levar à insanidade. Se a pessoa pratica a Raja-Yoga e ao mesmo tempo leva uma vida impura, como pode esperar tomar-se yogue?

O passo seguinte é chamado pratyahara. Que vem a ser isso? Sabeis como vem a percepção. Antes de mais nada há os instrumentos externos, depois os órgãos internos, agindo através dos centros do cérebro, e por fim há a mente. Que todos eles se reúnem e se ligam a algum objeto externo, nós percebemos esse objeto. Ao mesmo tempo, é muito difícil concentrar a mente e ligá-la apenas a um órgão. A mente é escrava.

Ouvimos: "Sê bom!", "Sê bom!", e "Sê bom!", ensinado por todo o vasto mundo. Dificilmente uma criança, nascida seja em que país for, deixará de ter ouvido: "Não roubes!", "Não mintas!". Mas ninguém diz à criança como pode evitar tais coisas. Falar, apenas, não a auxilia. Por que não se tornaria ela um ladrão? Não lhe ensinamos como não roubar, mas dizemo-lhe, simplesmente: "Não roubes!" Só quando lhe ensinarmos a controlar sua mente, estaremos realmente auxiliando-a.

Todas as ações, internas e externas, ocorrem quando a mente se reúne a certos centros, chamados órgãos. Voluntária ou involuntariamente, ela é arrastada a reunir-se aos centros, e por isso é que as pessoas fazem coisa tolas e sentem-se angustiadas, o que não aconteceria se trouxessem a mente sob controle. Qual seria o resultado do controle da mente? Ela não se reuniria aos centros de percepção, e, naturalmente, sentimentos e vontade estariam sob controle.

Até aqui está claro. Mas é isso possível? É perfeitamente possível. Vós o vedes nos tempos modernos. Os que curam pela fé, ensinam as pessoas a negarem a angústia, a dor, o mal. Sua filosofia é um pouco em todas as direções, mas é uma parte da Yoga, sobre a qual de certa forma tropeçam. Quando conseguem que uma pessoa expulse o sofrimento através da negação dele, usam, realmente, uma parte de pratyahara, pois fazem a mente da pessoa bastante forte para ignorar os sentidos. Os hipnotizadores, de maneira idêntica, excitam, no paciente, pela sua sugestão, uma espécie de pratyahara mórbido, por algum tempo. A chamada sugestão hipnótica pode atuar apenas sobre uma mente fraca, e enquanto o operador, através do olhar fixo ou de outro processo qualquer, não consegue levar a mente do paciente a uma espécie de condição passiva, mórbida, suas sugestões jamais funcionarão.

Bem: o controle dos centros, que é estabelecido pelo operador durante algum tempo, num paciente hipnotizado, ou num paciente que se cura pela fé, é censurável, porque o conduz à ruína definitiva. Não se trata, realmente, do controle dos centros do cérebro pelo poder da vontade da própria pessoa, mas é, por assim dizer, o entorpecimento da mente do paciente durante algum tempo por súbitos golpes que a vontade alheia lhe desfere, refreamento por meio de rédeas e força muscular a carreira de uma Parelha violenta, mas através do corpo, através de Não é com o que se contém pedido a outrem para que de golpes pesados na cabeça dos cavalos, a fim de aturdi-los por algum tempo, e torná-los dóceis. Através de cada um desses processos o homem sobre o qual se opera, perde parte de suas energias mentais, até que, por fim, a mente, em lugar de ganhar o poder de controle perfeito, torna-se massa informe e destituída de poder. O único destino do paciente será o sanatório de lunáticos.

Toda a tentativa de controle que não seja voluntária, que não seja feita pela própria mente do indivíduo, não só é desastrosa, mas frustra sua própria finalidade. A finalidade de cada alma é a liberdade, o domínio-liberdade em relação à escravização da matéria e do pensamento, domínio da natureza interna e externa. Portanto, tende o cuidado de não permitir que outros atuem sobre vós. Tende cuidado de não levardes outros à ruína, por ignorância. É verdade que alguns conseguem fazer bem a muitos, durante algum tempo, dando trilha nova para as suas propensões, mas ao mesmo tempo levam a ruína a milhões, pelas sugestões inconscientes que atiram em torno de si, levando homens e mulheres a essa condição mórbida, passiva, hipnótica, que os faz quase destituídos de alma, finalmente.

Quem quer que peça a alguém que acredite cegamente, ou arraste atrás de si as pessoas pelo poder controlador de sua vontade superior, faz mal à humanidade, embora não seja essa a sua intenção. Portanto, usai vossas próprias mentes, controlai vós mesmos o corpo e a mente, lembrai-vos de que a não ser que sejais uma pessoa doente, nenhuma vontade alheia pode agir sobre vós. Evitai todos que, por grandes e bons que sejam, vos peçam que acrediteis cegamente.

Por todo o mundo seitas dançarinas, saltadoras, vociferantes, têm existido, e sua influência espalha-se como infeção quando começam a cantar, a dançar e a pregar: também elas são uma espécie de hipnotismo. Exercem um controle singular durante certo prazo, sobre pessoas super-sensíveis, e chegam - ai! - com o correr do tempo, a degenerar raças inteiras. É mais saudável para as raças ou para os indivíduos permanecerem perversos do que se tornarem aparentemente bons através de tais controles alheios. Nosso coração abate-se ao pensarmos na quantidade de mal feito à humanidade por esses religiosos fanáticos, irresponsáveis, embora bem intencionados. Mal sabem que as mentes levadas a atingir de súbito o soerguimento espiritual sob as suas sugestões, com música e orações, estão simplesmente fazendo-se passivas, mórbidas e impotentes, abrindo-se a qualquer outra sugestão, mesmo que ela seja má. Mal sonham, essas pessoas ignorantes e iludidas, que enquanto se congratulam por causa de seus poderes miraculosos de transformar corações humanos, poder que imaginam ter-lhes sido infundido por algum Ser que está acima das nuvens, o que estão é lançando as sementes de decadência, crime, loucura, e morte, para o futuro. Portanto, cuidado com tudo quanto arrebate a vossa liberdade. Sabei que isso é perigoso e evitai-o por todos os meios ao vosso alcance.

Quem teve sucesso no ligar ou desligar sua mente dos centros, pela sua vontade, teve sucesso em pratyahara, o que significa "reunir em direção", refrear os salientes poderes da mente, libertando-a do cativeiro dos sentidos. Quando pudermos fazer isso, realmente teremos caráter. Teremos, então, dado um grande passo em direção à liberdade: antes disso somos simples máquinas.

Como é difícil controlar a mente! Bem foi ela comparada ao macaco louco. "Havia um macaco, irrequieto pela sua própria natureza, como são todos os macacos. Como se isso não bastasse, alguém fez com que ele tomasse bastante vinho, de forma que se tornou ainda mais irrequieto. Então, um escorpião lhe deu uma ferroada. Quando um homem recebe a ferroada de um escorpião, fica saltando durante um dia inteiro, e, assim, o pobre macaco viu sua condição tornar-se pior do que nunca. Para completar sua angústia, um demônio entrou nele. Que linguagem pode descrever a incontrolável inquietação daquele macaco? A mente humana é, como ele, incessantemente ativa por sua própria natureza. Então, embriaga-se com o vinho do desejo, crescendo assim a sua turbulência. Depois que o desejo se instalou, vem a ferroada do escorpião do ciúme pelo sucesso dos outros, e por fim o demônio do orgulho entra na mente, levando-a a imaginar-se importante. Como é difícil controlar a mente!"

A primeira lição, portanto, é sentar-se por algum tempo, deixando a mente correr. A mente está borbulhando todo o tempo. É como o macaco a saltar. Deixai o macaco saltar tanto quanto possa e ficai apenas observando e esperando. Conhecimento é poder, diz o provérbio, e isso é verdade. Enquanto não souberdes o que a mente está fazendo, não podereis controlá-la. Dai-lhe rédeas. Muitos pensamentos hediondos podem vir, e ficareis estupefato ao verificar que podeis pensar tais coisas. Mas verificareis que dia a dia os caprichos da mente se tornam cada vez menos violentos; que cada dia ela vai ficando mais calma. Nos primeiros meses verificareis que a mente terá muitíssimos pensamentos, e mais tarde
descobrireis que eles de certa forma diminuíram, e alguns meses depois serão cada vez menos, até que, por fim, a mente ficará sob perfeito controle. Mas deveis praticar pacientemente, todos os dias. Assim que o vapor for aberto, a máquina deve funcionar: assim que as coisas estão diante de nós, devemos percebê-las.

Dessa maneira, um homem, para mostrar que não é máquina, deve demonstrar que não está sob controle de coisa alguma. Esse controle da mente, pelo qual não se permite que ela se reuna aos centros, é pratyahara, Como se pratica? É trabalho tremendo, que não se faz num dia. Só depois de luta paciente, que durará anos, conseguiremos ter Sucesso.

Depois de terdes praticado o pratyahara por algum tempo, dai o passo seguinte, o dhârana, conservando a mente sobre certos pontos. Que significa manter a mente sobre certos pontos? Significa forçar a mente e sentir certas partes do corpo, com exclusão de outras. Por exemplo, tentai sentir apenas a mão, com exclusão de todas as outras partes do corpo. Quando chitta, ou material-da-mente, se confina e se limita a um certo lugar, isso é dhârana.Esse dhârana existe de várias maneiras, e com ele é bom ter um pouco de jogo de imaginação. Por exemplo, leva-se a mente a pensar em um ponto do coração. Isso é muito difícil e a maneira mais fácil é imaginar que ali existe um lótus. Esse lótus está cheio de luz, de luz resplandecente. Colocai a mente ali. Ou pensai sobre o lótus do cérebro como cheio de luz.

O yogue deve sempre praticar. Deveria tentar viver sozinho. O companheirismo de uma quantidade de pessoas diferentes distrai a mente. Não deveria falar muito, porque falar distrai a mente e a mente não pode ser controlada depois de um dia de trabalho duro. Observando as regras acima, é possível tornar-se um yogue.

Tal é o poder da Yoga que mesmo em insignificante quantidade, trará grande quantidade de benefícios. Não magoará ninguém e fará bem a toda a gente. Antes de mais nada, acalmará a excitação nervosa, trará tranqüilidade, habilitar-nos-á a vermos as coisas mais claramente. O temperamento melhorará, e a saúde também melhorará.

Quando uma pessoa começa a concentrar-se, a queda de um alfinete parecerá um corisco a atravessar-lhe o cérebro. Conforme os órgãos se tornam mais delicados, as percepções se tornam mais sensíveis. Há estágios através dos quais teremos de passar, e todos os que perseveram têm sucesso. Deixai de lado todas as discussões e outras distrações. Há alguma coisa no seco jargão intelectual ? Ele apenas tira a mente de seu equilíbrio e a perturba. Coisas dos planos mais sutis têm de ser compreendidas. Falar não leva a isso. Portanto, abandonai toda a conversa fútil. Lede apenas os livros escritos por pessoas que tiveram a compreensão.

Os que realmente desejam ser yogues, devem abandonar, de uma vez para sempre, esses mordiscos a todas as coisas. Tomai convosco uma idéia. Fazei dessa idéia a vossa vida. Pensai nela. Sonhai com ela. Vivei-a. Deixai o cérebro, os músculos, os nervos, todas as partes do vosso corpo, encherem-se dessa idéia, e ponde de lado qualquer outra. Esse é o caminho para o sucesso, e esse é o caminho que produz os grandes gigantes espirituais.


* * *



Terceira parte



Todos os diferentes passos na Yoga visam levar-nos, cientificamente, a um estado de superconsciencia, ou samadhi. A inspiração existe na natureza de cada homem como existiu nos antigos profetas. Esses profetas não foram únicos: eram homens, como vós e eu. Eram grandes yogues. Tinham obtido superconsciência, e vós e eu podemos fazer o mesmo. O simples fato de um homem ter alcançado esse estado, prova que é possível a todos os homens fazerem o mesmo. Não só é possível, mas todos os homens devem, finalmente, chegar ao mesmo estado - e isso é religião. Vimos, superficialmente, os diferentes passos da Raja-Yoga, exceto os mais sutis, o treinamento na concentração, que é a meta para a qual nos leva a Raja-Yoga. Vemos, como seres humanos, que todo o nosso conhecimento, que chamamos racional, se refere à consciência. Minha consciência desta mesa, e de vossa presença, leva-me a saber que esta mesa e vós estais aqui. Ao mesmo tempo, há uma parte muito grande da minha existência, da qual não estou consciente, como dos diferentes órgãos dentro do corpo, das diferentes partes do cérebro, etc.

Quando como, faço-o conscientemente. Quando assimilo, faço-o inconscientemente, Quando o alimento é transformado em sangue, isso é feito inconscientemente. Quando as diferentes partes do meu corpo são fortalecidas por esse sangue, isso é feito inconscientemente. Entretanto, sou eu quem está fazendo isso. Não pode haver vinte pessoas neste corpo único. Como sei que faço isso, e não outra pessoa qualquer? É possível dizer que a minha parte está apenas no comer e assimilar o alimento, e que o fortalecimento do corpo pelo alimento é feito para mim por alguma outra pessoa? Isso não procede, porque pode ser demonstrado que quase todas as ações das quais somos agora inconscientes, podem ser trazidas para o plano da consciência. O coração bate, aparentemente sem controle. Nenhum de nós pode controlar o coração, que faz seu próprio caminho. Mas, pela prática, os homens podem controlar até mesmo o coração, fazendo com que ele palpite conforme desejemos, vagarosa ou rapidamente, ou chegue quase a parar.

Quase todas as partes do corpo podem ser trazidas sob controle. Que mostra tal coisa? Que as funções existentes abaixo da consciência também são realizadas por nós, acontecendo, apenas, que as realizamos inconscientemente.

Temos, então, dois planos nos quais trabalha a mente humana. O primeiro é o plano consciente, no qual todo o trabalho é acompanhado pela sensação do ego. Depois vem o plano inconsciente, onde o trabalho não é acompanhado pela sensação do ego. Essa parte do trabalho da mente, que não é acompanhada pela sensação do ego, é trabalho inconsciente, e a parte acompanhada pela sensação do ego é trabalho consciente. Nos animais inferiores, esse trabalho inconsciente é chamado instinto. Em animais superiores, e no mais elevado deles, o homem, prevalece o que chamamos trabalho consciente.

Mas isto não termina aqui. Há ainda um plano mais alto, no qual a mente pode trabalhar. Ela pode ir além da consciência. Tal como o trabalho inconsciente está abaixo da consciência, há outro trabalho que está acima da consciência e que também não é acompanhado pela sensação do ego. A sensação do ego está apenas no plano do meio. Quando a mente está acima ou abaixo dessa linha, não há sensação de "eu", e ainda assim a mente trabalha. Quando a mente vai para além dessa linha de autoconcciência, é o chamado samadhi, ou superconsciência.

Como, por exemplo, sabemos que um homem em samadhi não foi para baixo da consciência, não degenerou, em lugar de subir? Em ambos os casos os trabalhos não são acompanhados pelo ego. A resposta é a seguinte: pelos efeitos, pelos resultados do trabalho, sabemos o que está abaixo e o que está acima. Quando um homem adormece profundamente, entra num plano abaixo da consciência. Trabalha o corpo durante todo o tempo, respira, move-se talvez em seu sono, sem qualquer acompanhamento da sensação do eu. Está inconsciente, e quando acorda é o mesmo homem que era antes de adormecer. A soma total de conhecimento que possuía antes de adormecer permanece a mesma, não aumenta absolutamente. Não há esclarecimento. Mas quando um homem entra em samadbi, se para ele vai como tolo, dele vem como sábio.

O que produz a diferença? De um estado o homem sai como o mesmo homem que para ele entrou. De um outro estado o homem sai esclarecido, um sábio, um profeta, um santo; todo seu caráter está modificado, sua vida transformada, iluminada. São esses os dois efeitos. Sendo os efeitos diferentes, as causas têm de ser diferentes. já que essa iluminação com que um homem retorna do samadhi é muito maior do que a que se pode obter da inconsciência, ou muito mais elevada do que a que pode obter pelo raciocínio, em estado consciente, deve vir, portanto, da superconsciência, e samadhi é chamado o estado de superconsciência.

Esta é, em resumo, a idéia do samadhi. Qual é a sua aplicação ? A aplicação aqui está. O campo da razão, ou o consciente trabalho da mente, é estreito, limitado. Há um círculo dentro do qual a razão do homem deve mover-se. Ela não pode ir além. Toda a tentativa para ir além é, impossível; ainda assim é para além desse círculo da razão que está o que a humanidade considera mais caro. Todas essas perguntas - se há uma Alma imortal, se há um Deus, se há uma Inteligência suprema orientando este universo - estão para além do campo da razão.

Todas as nossas teorias éticas, todas as nossas atitudes morais, tudo quanto é bom e grande na natureza humana, têm sido moldado sobre respostas que vieram de acolá desse círculo. É muito importante, por conseguinte, que tenhamos respostas para essas perguntas. Se a vida é apenas um jogo rápido, se o universo é apenas uma "fortuita combinação de átomos", por que devo fazer bem a outrem? Por que haveria misericórdia, justiça, ou sentimento de solidariedade?

Toda ética, toda ação humana, e todo pensamento humano, se baseiam nessa idéia de desinteresse. Toda a idéia da vida humana pode ser posta nesta palavra, desinteresse. Por que seríamos desinteressados? Onde está a necessidade, a força, o poder, que me compele a ser desinteressado? Podeis chamar a vós mesmos homens racionais, utilitários, mas se não me mostrais as razões para o utilitarismo, eu digo que sois irracionais. Mostrai-me as razões por qun eu não deveria ser egoísta. A resposta está no fato de este mundo não passar de uma gota num oceano infinito, um elo de uma cadeia infinita. Onde colheram essa idéia os que pregaram o desinteresse, e o ensinaram à raça humana? Sabemos que ela não é instintiva: os animais, que têm instinto, não a conhecem. Também não é razão: a razão nada sabe sobre tal idéia. Então, donde veio ela?

Encontramos, estudando história, um fato que foi sustentado em comum por todos os grandes mestres de religião que o mundo já teve. Todos eles declaram que receberam suas verdades do acolá; apenas muitos deles não sabem donde elas lhes vieram. Por exemplo, um diz que um anjo desceu, na forma de um ser humano com asas, e lhe disse:"Ouve, ó homem, esta é a mensagem!" Outro diz que um deva (12), um ser radiante, lhe apareceu. Um terceiro diz que sonhou que seu ancestral veio e contou-lhe umas tantas coisas e não sabia nada além disso. Mas isto é comum em todas as declarações: que o conhecimento veio do acolá, não através da sua capacidade de raciocínio. Que ensina a ciência da Yoga? Ensina que eles tinham razão ao dizerem que seu conhecimento lhes vinha de acolá do raciocínio, porém que esse conhecimento lhes vinha de dentro deles próprios.

O yogue ensina que a própria mente tem um estado superior de existência, acima da razão, um estado superconsciente, e quando a mente alcança esse estado superior, então seu conhecimento, metafísico e transcendental desce até o homem. Esse estado de ir para além da razão, de transcender a natureza humana comum, pode, às vezes, vir por acaso para um homem que não compreende sua ciência. Ele, por assim dizer, tropeça nele, e quando isto acontece, interpreta-o, geralmente, como vindo de fora. Assim, isso explica por que uma inspiração, ou um conhecimento transcendental, pode ser o mesmo em países diferentes, mas num país ele parece vir através de um anjo, num outro, através de um deva, e num terceiro, através de Deus. Que significa isso? Significa que a mente trouxe o conhecimento pela sua própria natureza, e que o encontro do conhecimento é interpretado de acordo com as crenças e a educação da pessoa através da qual ele veio. O fato real é que esses vários homens, por assim dizer, tropeçaram no estado superconsciente.

O yogue diz que há grande perigo em tropeçar nesse estado. Em muitíssimos casos, há o perigo de perturbação do cérebro, e, como regra, verificareis que todos esses homens que tropeçaram no estado superconsciente, sem compreendê-lo, tatearam nas trevas e tiveram, geralmente, ao lado de seu conhecimento, algumas curiosas superstições, por muito grandes que eles tenham sido. Abriram-se à alucinação. Maomé disse verdades maravilhosas. Se lerdes o Alcorão vereis as mais maravilhosas verdades mescladas com superstições. Como explicaremos isso? Aquele homem foi inspirado, sem dúvida, mas, por assim dizer, tropeçou na inspiração. Não era um yogue treinado e não sabia a razão daquilo que fazia.

Pensai no bem que Maomé fez ao mundo, e pensai no grande mal que foi feito através do seu fanatismo! Pensai nas milhões de pessoas que foram massacradas através de seus ensinamentos - mães despojadas de seus filhos, crianças tornadas órfãos, regiões inteiras destruídas, milhões e milhões de pessoas mortas! Vemos esse perigo quando estudamos as vidas dos grandes mestres, como Maomé e outros. Ainda assim, vemos, ao mesmo tempo, que eles eram todos inspirados. Sempre que um profeta alcançava o estado de superconsciência pela elevação de sua natureza emocional, trazia dele não somente alguma verdade, mas também algum fanatismo, alguma superstição, que fizeram tanto mal ao mundo quanto a grandeza de seus ensinamentos o ajudaram. Para obter alguma razão da massa de incongruências que chamamos vida humana, temos de transcender nossa razão, mas devemos fazer isso cientificamente, lentamente, pela prática regular, e devemos expulsar toda superstição. Devemos tomar o estudo do estado superconsciente tal como o de qualquer outra ciência. Na razão devemos lançar nossos fundamentos. Devemos seguir a razão até onde ela nos conduz, e quando a razão falhar, ela própria nos mostrará o caminho para o plano mais alto. Quando ouvirdes um homem dizer:"eu estou inspirado", e depois falar de maneira desarrazoada, rejeitai-o. Por que? Porque esses três estados - instinto, razão e super consciência, ou inconsciente, consciente e superconsciente - pertencem a uma mesma mente. Não há três mentes, no homem, mas um estado da mente se desenvolve para os outros dois. O instinto se desenvolve para a razão, e a razão para a consciência transcendental. Portanto, nenhum desses estados contradiz o outro. A inspiração real jamais contradiz a razão, mas cumpre-a. Tal como encontrais grandes profetas dizendo: "Não vim para destruir, mas para cumprir", a inspiração sempre vem para cumprir a razão, e está em harmonia com ela.

(12) Deva: Palavra derivada da raiz sânscrita div, brilhar. São seres inteligentes e espirituais, da religião
hinduísta, como os an-jos do Cristianismo.

Para alcançar o estado de superconsciência de maneira científica, é necessário passar através dos vários passos da Raja-Yoga que expus. Depois de pratyahara e dharâna, chegamos a dhyana, a meditação. Quando a mente foi treinada para se conservar fixa em certo ponto externo ou interno, adquire o poder de fluir em corrente ininterrupta, por assim dizer, em direção a um ponto. Esse estado é chamado dhyana, Quando se tem tão intensificado o poder de dhyana, a ponto de poder eliminar a percepção exterior e permanecer meditando apenas na parte interior, e seu significado, tal estado é chamado samadhi. Isto é, se a mente pode primeiro concentrar-se sobre um objeto, e depois tem capacidade para continuar nessa concentração por um certo período de tempo, para, pela concentração continuada, tratar apenas da parte interior da qual o objeto era o efeito, tudo vem a ficar sob o controle dessa mente.

Esse estado meditativo é o mais alto da existência. Enquanto existir desejo, a verdadeira felicidade não pode vir, apenas o estado contemplativo, testemunhador dos assuntos que nos traz gozo e felicidade reais. O animal tem a felicidade nos sentidos, o homem no intelecto, e o deus na contemplação espiritual.

Só a alma que atingiu esse estado contemplativo pode ver o mundo realmente belo. Para quem nada deseja e não se mescla com nada, as multiformes transformações da natureza são um panorama de beleza e sublimidade.

Quando, por preparação prévia, a mente se torna forte e controlada, e tem o poder da percepção mais apurada, deve ser empregada na meditação. Essa meditação deve começar com os objetos grosseiros, e lentamente erguer-se, passo a passo, para os mais sutis, até que se tornem objetos sem objetivos. A mente deveria primeiro ser empregada na percepção das causas externas da sensação, depois nos movimentos interiores, e finalmente em suas próprias reações. Quando conseguiu perceber as causas externas da sensação por si mesma, a mente adquirirá o poder de perceber todas as existências materiais sutis, todos os corpos e formas sutis. Quando puder conseguir a percepção dos movimentos dentro de nós mesmos, a mente ganhará o controle de todas as ondas mentais, em si mesma ou nas outras mentes, mesmo antes delas se terem transformado em energias físicas. E quando conseguir captar a reação mental por si mesma, o yogue adquirirá o conhecimento de tudo, já que todo o objeto sensível, e todo o pensamento, são o resultado dessa reação. Então ele terá visto os próprios fundamentos de sua mente, e ela estará sob seu perfeito controle. Poderes diferentes virão ter ao yogue: se ele ceder às tentações de qualquer deles, o caminho para seu progresso futuro ficará obstruído. Assim é o mal de correr atrás de prazeres. Mas se ele for bastante forte para rejeitar mesmo esses poderes miraculosos, atingirá a meta da Yoga, a completa supressão das ondas no oceano da mente. Então, a glória da Alma, não perturbada pelas distrações da mente nem pelos movimentos do corpo, brilhará em todo o seu fulgor, e o yogue se verá como sempre foi: a essência do Conhecimento, o Imortal, o que tudo satura.

Samadhi é propriedade de cada ser humano - e até de cada animal. Desde o mais baixo dos animais até o mais alto dos anjos, em algum momento terão de alcançar esse estado. E então, somente então, a verdadeira religião começará para ele. Até então só lutamos em direção desse estado. Não há diferença agora entre nós e os que não têm religião, porque não temos experiência. Para que serve a concentração, a não ser para nos trazer essa experiência? Cada um dos passos para alcançar o samadi foi raciocinado, adequadamente ajustado, cientificamente organizado e, quando fielmente praticado, seguramente nos conduzirá ao fim desejado. Então, todos os desgostos cessarão, todas as angústias se desvanecerão. As sementes das ações serão queimadas, e a alma será livre para sempre.

Houve um grande deus-sábio chamado Nârada. Assim como há grandes sábios entre a humanidade, há grandes yogues entre os deuses. Nârada foi um bom e muito grande yogue. Viajava por toda a parte. Um dia atravessava uma floresta, quando viu um homem que estivera meditando tanto tempo na mesma posição que as formigas brancas tinham construído em torno de seu corpo um grande monte de terra.

Ele disse a Nârada:

- Para onde vais?
- Vou para o céu.
- Então pede a Deus que tenha piedade de mim, quando eu alcançar a libertação.

Mais adiante Nârada viu outro homem, que por ali estava saltando, cantando e dançando, e lhe disse, com voz e gestos alucinados.

- õ Nârada, aonde vais?
- Vou para o céu.
- Então pede a Deus que eu me veja liberto.

Nârada continuou seu caminho. Com o correr do tempo tornou a passar por aquela mesma estrada e lá estava o homem que estivera meditando, com o monte das formigas em torno de seu corpo. Este lhe indagou:

- Oh Narada, pediste por mim ao Senhor?
- Oh! Sim.
- Que disse Ele?
- O Senhor me disse que alcançarás a libertação dentro de mais quatro nascimentos.
Então, o homem começou a chorar e a gemer, dizendo:
- Meditei a ponto de as formigas construírem sua casa em torno de mim, e ainda tenho que esperar quatro
nascimentos!

Nârada seguiu seu caminho, e encontrou o outro homem.

- Perguntaste a Deus o que te pedi?
- Oh! Sim. Estás vendo aquele tamarindeiro? Terás de renascer tantas vezes quantas são as folhas daquela
árvore; então alcançarás a libertação.

O homem começou a dançar de alegria, dizendo:

- Oh, estarei liberto em tão curto tempo!

E ouviu-se uma voz:

- Meu filho, estás liberto desde este momento.

Foi essa a recompensa da sua perseverança. Este estava pronto a trabalhar através de tantas existências, e nada o desencorajava. Mas o primeiro achara as quatro existências um tempo demasiado longo.Tão-só uma perseverança igual à do homem disposto a esperar durante anos traz consigo os mais altos resultados.


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